Adrenoleucodistrofia

1. Descriçao da Patologia

A adrenoleucodistrofia (ADL) é uma doença genética, que apesar de rara, é uma doença metabólica hereditária de origem peroxissomal mais comum, sendo considerada, também, de caráter degenerativo e incurável. O nome "adrenoleucodistrofia" foi aplicado em referência às estruturas mais afetadas pela doença, sendo elas: “adreno”, referindo-se às glândulas adrenais/supra renais, as quais localizam-se acima dos rins e secretam alguns hormônios essenciais ao funcionamento do organismo [Figura 1], além da palavra “leuco”, que, do grego, significa "branco”, fazendo referência à substância branca localizada no interior do cérebro (medula cerebral) [Figura 2]. Por fim, a palavra “distrofia” é usada para expressar o não desenvolvimento dessas estruturas no corpo da pessoa afetada [Figura 2], ou seja, é empregada sempre que uma estrutura do nosso corpo não se desenvolve da maneira correta [1]. 

 

                                                       Figura 1: Anatomia da glândula adrenal

 Adrenal

                    Fonte: WINSLOW, 2013 – André Arana Camis – CC BY-AS 3.0 – disponível no repositório 

                                 digital da Wikimedia Commons.

 

                                  Figura 2: Tecidos e glândulas afetadas pela Adrenoleucodistrofia

tecidos

                                    Fonte: JIA et al., 2019 – André Arana Camis - CC BY-AS 3.0 -

                                    disponível no repositório digital da Wikimedia Commons.

 

Apesar de se tratar de um Erro Inato do Metabolismo (EIM) comum, a adrenoleucodistrofia possui incidência muito baixa, afetando cerca de uma pessoa a cada 20 mil nascidos vivos [2], o que, portanto, faz com que muitos médicos e profissionais da saúde desconheçam tal doença, dificultando seu diagnóstico e tratamento.

 

2. Como a doença se dá biologicamente?

 

A adrenoleucodistrofia ocorre por conta de uma alteração genética, que faz com que o corpo não produza, ou produza com deficiência, uma proteína chamada de ALDP (Adrenoleukodystrophy protein). Os problemas causados pela ausência, ou mal funcionamento, desta proteína fazem com que os chamados ácidos graxos de cadeia muito longa (AGCML), uma espécie de gordura que é produzida pelo próprio corpo, não consigam entrar no interior de uma estrutura chamada de peroxissomo [Figura 3] e fiquem armazenados dentro das células [3].

 

               Figura 3: Não entrada dos AGCML nos peroxissomos, pela falta da proteína ALPD

figura3

     Normal: Refere-se a pessoa que não apresenta variação para a proteína ALDP; X-ALD: refere-se a pessoa que possui a variação para a proteína ALDP, e assim possui adrenoleucodistrofia (ALD), que é uma doença ligada ao cromossomo X.  Fonte: NEWBORNSCREENING, 2020 – André Arana Camis - CC BY-AS 3.0 - disponível no repositório digital da Wikimedia Commons.

 

Os peroxissomos [Figura 4] são organelas caracterizadas pela degradação de subprodutos tóxicos do metabolismo celular, por meio da produção de enzimas oxidativas. Desempenhando um papel importante na mielinização e migração neuronal, eles são também importantes na oxidação dos ácidos graxos. As enzimas peroxissomais possuem papel fundamental no metabolismo lipídico, especificamente na oxidação dos AGCML e na síntese de glicolipídios e lipídios de glicerol éster [4]. 

 

                                                              Figura 4: Peroxissomos

 organela

                                           Fonte: SOBIOLOGIA, 2018 - CC BY-AS 3.0 - disponível no repositório

                                                       digital da Wikimedia Commons.

 

Desse modo, tendo em vista o acúmulo dos AGCML nas células de diversos tecidos, a ADL afeta, principalmente, as glândulas suprarrenais, os neurônios do sistema nervoso central (SNC) e, em alguns casos, os testículos [2]. 

Quando a ADL afeta o SNC, a doença pode causar a destruição da bainha de mielina (uma camada de gordura que envolve o axônio do neurônio e otimiza a transmissão sináptica) dos neurônios, somado à destruição dos axônios e das células da microglia [5]. Isso ocorre porque as moléculas de ácido graxo de cadeias muito longas são extremamente hidrofóbicas, causando, também, a despolarização das mitocôndrias celulares e a desregulação da homeostase intracelular de cálcio nas áreas em que ficam armazenadas [3]. Portanto, tais alterações nas estruturas e funções neuronais afetam drasticamente a transmissão dos impulsos nervosos.

O SNC, por sua vez, é a “central de comando” do corpo humano. Comandado pelo encéfalo, este sistema possui como principal função a recepção dos estímulos sensoriais, tanto internos quanto externos ao corpo, e a conversão destes em respostas adequadas, por meio de impulsos nervosos [6]. Além disso, o SNC é considerado o centro da inteligência humana, pois é nele que são processadas informações racionais, irracionais, emotivas e, também, a memória [6]. Um indivíduo com o SNC comprometido pode apresentar dificuldades de locomoção, tanto na marcha quanto na coordenação motora, dificuldades na fala, retardos mentais e intelectuais, dentre outras.

Por outro lado, quando a doença ataca as glândulas suprarrenais, ela causa uma insuficiência dessa estrutura, chamada de Doença de Addison, que é caracterizada por uma hipoatividade das glândulas supra renais, localizadas acima dos rins [7]. Sendo assim, hormônios como adrenalina, noradrenalina, cortisol e aldosterona são produzidos em quantidades insuficientes no corpo, causando distúrbios como fadiga, náuseas, escurecimento da pele e baixa pressão arterial [7]. Quando o indivíduo afetado pela doença está sob efeito do estresse, a baixa pressão arterial configura grande risco à vida.

Por fim, a adrenoleucodistrofia, além dos sintomas supracitados, pode também apresentar: dificuldades de percepção auditiva e visual, perda de memória, irritabilidade crescente e dificuldades de relacionamento [3].

 

3. Como é a doença geneticamente?

 

A adrenoleucodistrofia é uma doença genética com padrão de herança recessivo ligado ao X, que consiste em um erro inato do metabolismo por mutações no gene que codifica o transportador peroxisomal ABCD1, localizado no braço longo do cromossomo X, Xq28 [Figura 5] [2]. Por conta disso, a proteína conhecida como proteína da ALD, ou ALDP, deixa de ser produzida. Uma vez que essa proteína de membrana é responsável pelo transporte de ácidos graxos de cadeia muito longa em peroxissomos, a fim de promover sua degradação por oxidação, o distúrbio é caracterizado por acúmulo de ácidos graxos em tecidos e fluidos corporais [2]. Consequentemente, leva à insuficiência adrenal e à desmielinização axonal. Essa patologia afeta 1:15.000 a 25.000 indivíduos em todo o mundo, sem predisposição por raça ou etnia [2]. Nas doenças recessivas ligadas ao cromossomo X, as mulheres (XX) precisam de dois X com o gene mutados para manifestarem a doença, enquanto para os homens (XY) basta apenas um X com o alelo mutado para manifestar [8]. Sendo assim, essa herança é ligada ao sexo de caráter recessivo transmitida por mulheres portadoras, porém afetam principalmente homens [Figura 6] [2].  A mãe que é portadora da doença tem 50% de chance de ter um filho que desenvolva os sintomas.

 

                                Figura 5: Localização do gene afetado no cromossomo X

 Cromossomo x

    Fonte: WIKIPEDIA, 2020 – André Arana Camis - CC BY-AS 3.0 - disponível no repositório digital da Wikimedia Commons.

 

                                    Figura 6: Heredograma da patologia

 Heredograma

      Fonte: ENGELEN et al., 2019 – André Arana Camis - CC BY-AS 3.0 - disponível no repositório digital da Wikimedia Commons.

 

4. Tratamento fisioterapêutico na adrenoleucodistrofia

 

A adrenoleucodistrofia é uma doença que exige um tratamento multidisciplinar, ou seja, são necessárias diversas especialidades da saúde no acompanhamento do paciente – como enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogas e psicólogos [1].

A intervenção da fisioterapia na adrenoleucodistrofia deve acontecer desde o diagnóstico da doença [Figura 7]. Nas manifestações da enfermidade nota-se mudanças no tônus do corpo da criança, nos movimentos, marcha, fala, habilidades para comer, visão, audição, comportamento, memória e processos mentais, e, a partir de então, o trabalho fisioterapêutico torna-se paliativo [9].

No início, o indivíduo afetado perde a orientação espacial (noção de profundidade, lateralidade). Sendo assim, o trabalho do fisioterapeuta começa com a estimulação sensorial por meio de exercícios que trabalhem os membros inferiores. Como, subir e descer de bolas, estar em superfícies diferentes como grama e areia para assim, quando ocorrer a perda da visão, o paciente ter a noção de como se locomover. Além disso, há a prevenção de deformidades (encurtamentos e alterações articulares) tentando melhorar o encurtamento dos pés e dedos. Trabalha-se também a parte de capacidade respiratória que, numa fase tardia da doença, será o trabalho base da fisioterapia. O paciente, em fases avançadas, necessita do respirador para sobreviver e os cuidados para sua instalação e programação é responsabilidade do fisioterapeuta [1].

 

                             Figura 7: Juan Lucas – tratamento fisioterapêutico da adrenoleucodistrofia

 Fisoterapeuta

          Fonte: SILVANA, 2012 - CC BY-AS 3.0 - disponível no repositório digital da Wikimedia Commons.

 

Nos estágios mais graves seguintes, o fisioterapeuta orienta a família sobre as mudanças de posicionamentos necessárias e a utilização de talas para prevenir deformidades e escaras, sendo feita também a mobilização dos membros para não criar rigidez articular, em detrimento a incapacidade do paciente em se movimentar na cama. Com o avanço da perda de função dos pulmões, o profissional deve trabalhar passivamente realizando manobras respiratórias específicas, muitas vezes sendo a aspiração traqueobrônica e higienização brônquica [1]. 

A fisioterapia tem um papel de extrema importância na melhora da qualidade de vida dos indivíduos acometidos, uma vez que atua na manutenção da funcionalidade e auxilia no retardo da progressão da doença [8].

Os objetivos   terapêuticos são voltados em   promover a independência funcional, melhorar o equilíbrio e a amplitude de movimento, treinar a marcha, prevenir e diminuir encurtamentos musculares, normalizar o tônus e estimular as atividades de vida diária [8].

A terapia curativa/preventiva é composta pela dietoterapia que compreende a restrição de alimentos que contenham AGCML, principalmente o C26:0, combinada a administração do óleo de Lorenzo e lovastatina. Ambos atuam diminuindo a concentração plasmática e em fibroblastos desses ácidos graxos nos indivíduos com X-ALD. A reposição de esteroides adrenais em pacientes com comprometimento da função adrenal e o transplante de células tronco hematopoiéticas em pacientes com acometimento inicial do cérebro, se apresentam como medidas terapêuticas na patologia em questão. Além disso, a terapia com drogas antioxidantes é utilizada para os casos em que ocorre neuroinflamação [10].

O transplante de medula óssea (TMO), especificamente de CTH, se apresenta como uma das formas terapêuticas mais agressivas na X-ALD. Isso é indicado apenas para pacientes que se encontram em fase inicial e inflamatória da doença, sendo uma possível cura. No entanto, como a maioria dos diagnósticos são tardios, os tratamentos tornam-se paliativos, ou seja, não possuem cura. Esses tratamentos ajudam a prolongar a vida do paciente e proporcionar uma melhor qualidade da mesma [10].

5. Produto produzido sobre Adrenoleucodistrofia:

Link para o blog sobre Adrenoleucodistrofia

6. Equipe:

AndreIsabeliBruna Lopes

André Arana Camis  Isabeli C P. Morasco     Bruna Lopes do P. Finotello           Gabriele Luana Ueno

7. Referências: 

[1] LOPES, Plínio L. Pereira “DEPOIS DE LORENZO”: Uma proposta de web documentário Interativo e de jornalismo de saúde sobre a adrenoleucodistrofia, 2018. Disponível em <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/56578/PLINIO%20LOPES.pdf?sequence=1&isAllowed=y

 

[2] FURLAN, Fernanda Luiza Schumacher et al. Adrenoleucodistrofia ligada ao X no Brasil: uma série de casos. Rev. paul. pediatr., São Paulo, v. 37, n. 4, p. 465-471, Dec.  2019.   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-05822019000400465&lng=en&nrm=iso>. access on 04 Dec.  2020.  Epub June 19, 2019.  https://doi.org/10.1590/1984-0462/;2019;37;4;00015.

 

[3] BERGER, J., Forss-Petter, S., & Eichler, F. S. (2014). Pathophysiology of X-linked adrenoleukodystrophy. Biochimie, 98, 135–142. doi:10.1016/j.biochi.2013.11.023 

 

[4] BORGES, Rosa Maria do Amaral. Adrenoleucodistrofia. Adrenoleucodistrofia - Uma doença peroxissômica desmielinizante., UNICEUB, p. 1-45, 18 jul. 2002.

 

[5] ENGELEN, M., Kemp, S., & Poll-The, B.-T. (2014). X-Linked Adrenoleukodystrophy: Pathogenesis and Treatment. Current Neurology and Neuroscience Reports, 14(10). doi:10.1007/s11910-014-0486-0 

 

[6] LLINAS, R. (1988). The intrinsic electrophysiological properties of mammalian neurons: insights into central nervous system function. Science, 242(4886), 1654–1664. doi:10.1126/science.3059497 

 

[7] BARTHEL, A., Benker, G., Berens, K., Diederich, S., Manfras, B., Gruber, M., … Bornstein, S. (2018). An Update on Addison’s Disease. Experimental and Clinical Endocrinology & Diabetes. doi:10.1055/a-0804-2715

 

[8] ZANELLA,Ângela Kemel; CANOVA,Gabriela; PINHEIRO,Katiane Cantarelli;FACCO Sandercléia Pellegrin ;PASIN, Juliana Saibt Martins. Atenção fisioterapêutica na adrenoleucodistrofia: um relato de caso. Grupo de Pesquisa“Promoção da Saúde e Tecnologias Aplicadas à Fisioterapia”. Disponível em: <https://docplayer.com.br/27227711-Atencao-fisioterapeutica-na-adrenoleucodistrofia-um-relato-de-caso-1.html

 

[9] FERNANDES S. C, MEDEIROS F. D.- Evolução motora de uma criança portadora de leucodistrofia associada ao tratamento fisioterapêutico. Disponível em: 

<http://www.luzimarteixeira.com.br/wp-content/uploads/2010/06/evolucao-motora-na-leu

codistrofia.pdf>

 

[10] OLIVEIRA, Marcia Silva de; MACIEL, Keise Aparecida Costa. Diagnóstico e tratamento da adrenoleucodistrofia ligada ao x. (X-ADL), XII Safety, Health and Environment World Congress, p. 1-5, 2 jul. 2012. Disponível em: <https://copec.eu/congresses/shewc2012/proc/works/062.pdf>